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Padrão global da estratégia reprodutiva das esponjas

Há quase um século atrás, o biológo marinho britânico J.H. Orton desenvolvia uma série de estudos no litoral do Reino Unido investigando a reprodução de diversos invertebrados marinhos. Ele observou que o ciclo reprodutivo de espécies pertencentes a diferentes filos apresentavam uma relação direta com a temperatura da água do mar e propôs que este fator ambiental teria importância direta no período reprodutivo das espécies. Dessa forma, ele previu que espécies que vivem em ambientes em que a temperatura varia ao longo do ano se reproduziriam somente nos períodos mais quentes do ano. Após acumular mais evidências, ele propôs que espécies que vivessem nos trópicos (onde a temperatura é sempre mais elevada) apresentariam reprodução contínua.

Mais ou menos na metade do século XX, com a continuidade deste tipo de estudo, um outro proeminente biólogo marinho (dessa vez dinamarquês), Gunnar Thorson, disse que essas previsões relacionadas a reprodução de invertebrados marinhos poderiam ser englobadas numa lei geral da ecogeografia marinha, que ele chamou de "postulado de Orton". Neste postulado, espera-se que invertebrados marinhos se reproduzam continuamente nos trópicos, uma vez que a temperatura não seria um fator limitante para esta atividade biológica.

Se tem uma coisa que os cientistas gostam de fazer é testar essas "leis" gerais. Logo, vários pesquisadores passaram a investigar o ciclo reprodutivo de invertebrados marinhos em diferentes partes do planeta e apareceram vários exemplos que fugiam ao postulado: espécies de ambientes temperados se reproduzindo continuamente, outras de ambientes tropicais que se reproduziam uma vez por ano... Nas últimas décadas este postulado foi "negado" para a maioria dos grupos de invertebrados marinhos, mas, até agora, uma investigação mais aprofundada e global não havia sido desenvolvida para as esponjas-marinhas.

Nosso grupo estudou a reprodução de cinco espécies de esponjas na Praia do Porto da Barra em Salvador, BA durante dois anos (falei um pouco sobre isso aqui!) visando adicionar mais dados para, então, podermos fazer uma comparação global sobre a relação reprodução contínua x sazonal das espécies de esponjas.

Nós encontramos que a reprodução das esponjas em Salvador ocorreu de forma contínua. As cinco espécies estavam se reproduzindo ao longo de todo o período estudado, mas devotando muito pouca energia para isso, uma vez que a quantidade de elementos reprodutivos (gametas ou embriões) sendo produzida era consideravelmente baixa. Também encontramos que dentre os fatores ambientais estudados, a temperatura influenciava sim a reprodução dessas espécies. Porém, diferentemente do postulado que prevê a temperatura "delimitando" o período reprodutivo, para as espécies soteropolitanas, a temperatura modula a quantidade de elementos reprodutivos sendo produzidos!

De posse destes dados, fizemos um levantamento bibliográfico e listamos a informação de mais de 110 espécies, provindas de 78 publicações ao longo das últimas décadas. Fizemos a seguinte pergunta: o postulado de Orton ainda é válido para esponjas? Em outras palavras, podemos esperar, como observamos com as espécies que estudamos, que esponjas tropicais se reproduzam continuamente?

Esta figura mostra a "frequência" da reprodução das esponjas já estudadas ao longo de um gradiente latitudinal (eixo Y). À esquerda, cada ponto mostra uma espécie que se reproduz sazonalmente (isto é, uma vez por ano) e à direita, uma espécies que se reproduz continuamente ao longo do ano. A legenda de cores indica a variação da temperatura no local em que o estudo foi realizado. Em Salvador, por exemplo, a temperatura variou no máximo 5 graus ao longo do ano [ponto vermelho] - note como a variação, no entanto, aumenta conforme vamos mais para os polos.

O que encontramos neste trabalho enfraquece ainda mais o postulado que andava "nas cordas". Em latitudes mais elevadas (isto é, ambientes mais temperados) a reprodução tende a ser sazonal, mas em ambientes tropicais (entre cerca de 23 ºS e 23 ºN), aparentemente, tanto faz se reproduzir uma vez por ano ou o tempo todo. A porcentagem de espécies temperadas que se reproduz sazonalmente é 84,6%, ou seja - a exceção são espécies que se reproduzem continuamente. Já nos trópicos, essa porcentagem cai bastante: somente 37,5% das espécies estudadas (incluindo as do Porto da Barra) se reproduzem continuamente (lembre-se que aqui todas elas deveriam se reproduzir continuamente!).

Todavia, ressaltamos que há alguns "poréns" nesses nossos achados. O número de estudos realizados com espécies tropicais é 2,5x menor do que com espécies temperadas, indicando que com mais espécies sendo estudadas, em diferentes localidades, esse cenário poderá mudar. Porém, por enquanto, a contagem para o nocaute do postulado de Orton (pelo menos para as esponjas) já está aberta e, enquanto ela se segura nas cordas, nós cientistas precisamos estudar mais sobre este interessante aspecto da ecogeografia marinha global.

Distribuição dos estudos realizados sobre a reprodução das esponjas no globo. Cada ponto vermelho indica uma localidade estudada. A densidade do vermelho do ponto está relacionada ao número de espécies investigadas naquela região. Notem a maior concentração de espécies nas regiões temperadas (principalmente a Norte [acima de 23 ºN]) e, em especial, em determinadas regiões onde historicamente há maior concentração de pessoas estudando esponjas: Mediterrâneo, Caribe e Austrália.

Nosso trabalho foi publicado em março deste ano na revista Hydrobiologia e tem um significado muito importante para o LEBR, pois foi o primeiro artigo que foi desenvolvido integralmente no laboratório e contou com a participação de (quase) todos os estudantes que passaram por aqui. Esta postagem é um rápido panorama sobre o trabalho e você pode saber muito mais sobre nosso estudo lendo o artigo. Se estiver interessado, peça a referência abaixo para gente!

Lanna, E., Cajado, B., Santos-da-Silva, C., da Hora, J., Porto, U., Vasconcellos, V. (2018) Is the Orton’s rule still valid? Tropical sponge fecundity, rather than periodicity, is modulated by temperature and other proximal cues. Hydrobiologia, 815(1), 187-205.


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