top of page

Algumas dicas sobre redação científica I

Estou longe de ser um expert em redação científica. Não tenho nenhum livro publicado sobre o assunto, meu currículo de publicações não é lá tão extenso, nem me dedico a estudar o tema. Todavia, como orientador e professor da disciplina de Redação Científica, tenho me deparado com alguns problemas recorrentes. Visando compor um texto base simples e objetivo sobre o assunto, resolvi escrever esse post. Ele é baseado nos problemas recorrentes em projetos, relatórios e artigos de aspirantes a cientistas dos mais variados níveis. Obviamente, este texto não irá tratar de toda a extensa quantidade de informações necessárias para uma boa redação científica. Então vamos lá... Se vocês tiverem alguma dúvida ou sugestão para aprimorar este texto, por favor, façam uma postagem lá embaixo.

ORGANIZAÇÃO DO TEXTO

Começo pelo começo. Para se escrever um bom texto científico, precisamos antes de mais nada, de um bom conhecimento sobre a língua culta. No Brasil, para os relatórios, resumos, TCCs e mesmo artigos em revistas nacionais, você precisará entender o básico da norma culta do Português. Para os artigos em revistas internacionais (e cada vez mais as nacionais também), você precisará saber as normas cultas do Inglês. Você vai perceber que aquelas aulas chatas de redação no colégio teriam feito uma grande diferença para sua atuação como pesquisador agora. Mas não é hora de chorar sobre o leite derramado. Nunca é tarde para se aprender algo novo! Eu não sou professor de português e estou longe de poder ensinar essa disciplina para as pessoas. Porém, há algumas coisas que eu aprendi com o tempo. Prestem sempre atenção na ortografia. Não é porque o word não marcou a palavra em vermelho que ela está certo. "Analise" e "análise" são palavras que o word não vai mostrar como erradas, mas tem sentidos diferentes! Preste atenção na correta acentuação. Outra coisa que é muito importante prestarmos atenção é a concordância verbal. Corra como o diabo corre da cruz de erros como "nós vai" e "a gente vamos". Lembrem-se que ele vai, mas eles vão. Se um leitor pegar um erro desse no seu texto, indiretamente ele vai por em cheque toda a ciência que você apresenta. Como eu posso confiar em alguém que não consegue fazer uma concordânciazinha básica?

É importante também prestar atenção na estruturação do texto. Abaixo eu falo sobre clareza e sucintez, duas características intrínsicas de um texto científico. Para ser claro e sucinto, tente escrever suas frases na ordem direta, evitar a voz passiva e não usar muitos apostos explicativos. Nosso cérebro funciona de maneira progressiva, então se você começa a frase com o sujeito, passando para o verbo e finalmente chegando ao "famoso" predicado será mais fácil entender o que você quer dizer. Embora a lígua portuguesa permita que uma frase tenha várias orações, tente escrever frases contendo apenas uma oração. É mais fácil compreender a mensagem assim.

Um parágrafo é uma concatenação de ideias. Ele deve ser escrito para juntar diferentes frases que convergem para um único propósito. Geralmente um parágrafo terá uma frase introdutória, algumas frases desenvolvendo o argumento daquele parágrafo e uma frase final, que deve (não obrigatoriamente) se conectar com o parágrafo seguinte. Não podemos escrever um parágrafo com uma frase. Se o assunto que você quer discorrer se resume a uma única frase, talvez você não precise falar sobre ele. Ou você desenvolve esta frase e a transforma em um parágrafo, ou então abandone-a. Algumas vezes é mais fácil repetir uma informação em parágrafos distintos do que desenvolver um parágrafo completo para aquela informação. Por exemplo, você quer dizer como foi feita a coleta de material que foi usada em duas técnicas diferentes. Ao invés de escrever um parágrafo com uma frase contendo a informação de onde e como as esponjas foram coletadas e depois outros parágrafos descrevendo as técnicas (total 3 parágrafos), inicie os dois parágrafos de técnicas repetindo a informação de como foi feita a coleta. Se há mais detalhes sobre a coleta, então escreva um parágrafo completo.

CARACTERÍSTICAS DE UM TEXTO CIENTÍFICO

Um texto científico deve ser sucinto e claro. Ser sucinto é uma arte que poucos dominam. Pelo tamanho deste texto, você já percebe que eu não sou um exemplo de ser sucinto. A melhor forma de ativar a sucintez no seu texto é a prática. Evite escrever coisas desnecessárias. Evite a utilização excessiva de apostos explicativos. Explique aquilo que tem que ser explicado e nada mais. Uma estratégia interessante é escrever todo o texto e depois voltar lendo ele e cortando tudo aquilo que for desnecessário. Portanto, evite usar palavras desnecessárias. Por exemplo, ao invés de dizer que o esforço reprodutivo foi muito maior, fale apenas que ele foi maior. Com o tempo, você perceberá que muitas frases, informações e até mesmo figuras podem ser suprimidas sem causar dano nenhum na informação principal que o seu texto quer passar.

O objetivo de fazermos um texto claro é evitar que o leitor se confunda ao ler nosso manuscrito. Existem diversas técnicas para isso. Uma coisa muito importante é escrever o texto utilizando frases curtas e objetivas. Escreva usando o discurso direto, contendo sujeito+verbo+objeto/predicado (como mencionado acima). Sempre que você tiver essa combinação, você terá uma frase. Caso você coloque novamente o sujeito, outro verbo e mesmo outro objeto, você terá iniciado uma nova frase. Ao reler o seu texto, se você encontrar uma única frase com três ou quatro linhas é sinal de que você escreveu uma frase muito longa. Quando isso acontecer, reescreva a frase para que ela fique mais curta e mais fácil de entender. Evite usar sujeitos ocultos (principalmente em textos em inglês). Evite usar "ele/ela" para se referir a algum sujeito no seu texto. Isso pode trazer confusão para o texto, uma vez que o leitor terá que descobrir a quem o ele/ela se refere. Se você está falando que "a esponja apresenta a célula eosinofílica no mesoílo" e na próxima frase você escreve "ela faz isso ou aquilo", o leitor tem que descobrir se o ela está relacionado à esponja ou à célula. Cuidado também com o uso de "seu/sua" (ex. o ônibus passa por sua rua). Lembre-se do que vocês veem no Facebook quando alguém atualiza o seu status. Sempre me pergunto se o status que a pessoa atualizou foi o dela ou o meu. Seja específico! Se a rua for a do Mateus, diga que o ônibus passa na rua do Mateus. Se for a minha rua, fale que passa na rua do Emilio. Novamente: não deixe espaço para o leitor interpretar o que você quis dizer.

ORGANIZANDO AS SESSÕES PRO TEXTO FAZER SENTIDO Um texto científico é tradicionalmente dividido em cinco sessões, conhecida como IMRAD - I. de introdução, M. de Material e métodos, R. de resultados, A. de "and" e D. de discussão.

O objetivo da Introdução é apresentar o problema científico que está sendo/será abordado no seu trabalho. A Introdução deve conter informações que devem fundamentar e mostrar a relevância do objetivo do seu estudo. Geralmente, no último parágrafo da Introdução escrevemos o objetivo de forma clara (ex. "o objetivo do presente trabalho é falar sobre redação científica"). Não deixe o objetivo subentendido. O objetivo é a primeira frase que você deve escrever do seu texto, pois tudo vai girar em torno dela (veja a Figura abaixo). Será por causa desse objetivo que você vai escrever a sessão Material e Métodos (eu aprendi assim - Material no singular. Porém, é cada vez mais comum encontrar Materiais e métodos). Essa sessão contém uma descrição sucinta dos materiais e dos métodos empregados no estudo para responder ao objetivo do seu trabalho. Você pode ter feito n experimentos antes de conseguir os resultados que respondem o objetivo do seu projeto, porém você deve descrever nessa sessão somente aqueles pertinentes ao objetivo do seu trabalho. O mesmo vale para os Resultados. Nessa sessão apresente somente os resultados que estão relacionados ao objetivo do seu trabalho. Não importa que você tenha medido 300 indivíduos! Fique orgulhoso de todo o trabalho que você fez, mas se a mensuração de 250 deles não estiver relacionada ao objetivo do trabalho, a descrição desses resultados não deve entrar no seu texto. A sessão de Resultados geralmente vem acompanhada das figuras e tabelas. Não repita a informação que está na figura/tabela no seu texto. Porém, não deixe a figura/tabela como sendo um apêndice sem sentido nos seus resultados. Abaixo eu vou falar mais sobre isso. Finalmente a Discussão deve contextualizar os resultados do seu trabalho com o que se conhece sobre aquele assunto. Apresente as limitações das técnicas usadas (tomando cuidado para não menosprezar o seu trabalho), indique os desdobramentos daqueles achados, traga para a luz os achados mais importantes do seu trabalho. Em biologia comparada, compare os seus resultados com os observados para outras espécies próximas. Principalmente, faça isso pensando numa perspectiva evolutiva.

A forma como essas cinco sessões interagem é geralmente representada como uma ampulheta. Você deve começar o texto com uma informação geral e ampla, ir afunilando para o objetivo e chegar no foco do seu trabalho. O material e métodos não tem o que inventar, bem como a apresentação dos resultados. A discussão deve começar com uma rápida recapitulação dos resultados e fazer o sentido oposto da introdução: começar discutindo coisas específicas e ir ampliando para mostrar como os seus achados irão contribuir para montar o grande quebra-cabeça que é a área da sua pesquisa.

Na figura acima, eu fugi um pouco do padrão pirâmide para a organização do texto científico. Acho importante que tudo gire em torno do objetivo. A introdução leva ao objetivo, que por sua vez baliza o material e métodos. Este é a forma para se chegar aos resultados, que devem ser contextualizados na discussão. Tenham sempre essa perspectiva quando escreverem um texto científico.

TEMPO VERBAL

Como vimos acima, o texto científico segue o padrão IMRAD. Cada uma dessas sessões devem ser escritas em um determinado tempo verbal. O interessante é que dependendo do tipo de texto que você está escrevendo, esses tempos verbais podem mudar. Isso porque dependendo do estágio em que a sua pesquisa se encontra, você já fez, está fazendo ou fará uma determinada coisa. A Introdução sempre será escrita no presente/passado. Você deve utilizar o presente para poder indicar conhecimentos que já estão presentes na literatura (ex. "Esponjas do gênero Clathrina se reproduzem somente no verão (Johnson, 1978)"). Já o passado, você deverá utilizar para frases que explicam o que um determinado trabalho desenvolveu: "Johnson (1978) observou que esponjas do gênero Clathrina se reproduzem somente durante o verão." O uso destes tempos verbais na Introdução é, de maneira geral, independente de que tipo de texto científico você está escrevendo (relatório, tcc, projeto, etc). Porém, quando passamos pro Material e métodos essa aplicação geral fica um pouco diferente. Livros de redação científica irão te dizer para escrever o M&M no passado, mas isso se aplica principalmente quando o trabalho terminou - ou seja, quando você vai escrever o artigo ou o relatório final. Porém, se você está escrevendo um projeto ou um relatório parcial, você deve usar o tempo verbal adequado. Como no projeto você ainda vai desenvolver o trabalho, use os verbos no futuro, por ex.: "iremos processar as esponjas mediante técnicas histológicas" ou "serão medidas 35 esponjas de cada espécie". No caso dos relatórios parciais, use o passado para aquilo que já foi feito ("foram mensuradas 35 esponjas"), o presente para aquilo que está sendo feito ("os dados levantados estão sendo analisados por modelagem matemática") e o futuro para aquilo que ainda será feito ("os modelos serão comparados com os dados biológicos mediante análise de variância"). A sessão de Resultados deverá sempre ser escrita no passado. Você realizou a metodologia para obter os resultados e agora você está apresentando eles como eles foram encontrados em sua metodologia. Eu sempre tive problemas, no entanto, em escrever os resultados de trabalhos descritivos no passado. Por exemplo: "os arqueócitos de Desmapsamma anchorata mediam 12 um e apresentavam núcleo central nucleolado." Pô, espera-se que essas células não tenham deixado de apresentar essas características. O mesmo vale para descrições taxonômicas! Portanto, não se espante de encontrar nesta sessão, textos escritos no presente (ou até mesmo sem verbos -- isso acontece em descrições taxonômicas "telegráficas". Não é raro encontramos algo como "cor preta, largura 10 mm, antena chanfrada, ..." !!! Isto é uma questão de estilo e eu, particularmente, prefiro descrições que usam verbos!). A Discussão deverá seguir o mesmo padrão da Introdução. Finalmente, a parte dos Agradecimentos também deve ser escrita no passado.

-------------------

Para evitar que este texto se torne ainda mais longo, irei encerrar por aqui. Na próxima postagem irei falar sobre a importância de se discutir os resultados, organização da bibliografia e a preparação de figuras. No terceiro post, irei falar um pouco sobre questões éticas relacionadas à redação científica. Se você tiver alguma pergunta, crítica, comentário ou algo que gostaria de discutir, por favor comente aqui em baixo.

Até mais.

bottom of page