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Fazendo muito com pouco

Agora a noite recebi uma notícia que era, na verdade, já esperada. A pesquisadora brasileira Dra. Suzana Herculano-Houzel está saindo da UFRJ para trabalhar em uma universidade nos Estados Unidos. A Dra. Suzana é uma neurocientista de primeira linha, com uma série de artigos que expandiram as fronteiras da ciência e permitiram entendermos melhor como ocorreu a evolução do cérebro humano. Além disso, ela foi uma grande expoente da ciência nacional, tendo inclusive estrelado quadros no Fantástico sobre o funcionamento do cérebro humano. Nem mesmo seu belo CV, nem sua publicidade na mídia, foram capazes de manter seu laboratório com verbas suficientes para desenvolver pesquisas de ponta. Toda a burocracia que permeia nossa ciência, falta de incentivo, etc. contribuíram para que ela desistisse.

Nos últimos anos, Dra. Suzana vinha lutando pelo reconhecimento da profissão cientista. Buscando que estudantes de pós-graduação fossem reconhecidos como profissionais, tendo direito a férias e outros benefícios. Além disso, lutava por "incentivos" para que os professores das universidades federais deixassem o marasmo de lado e, de fato, realizassem pesquisas, como devemos fazer para ter a famigerada dedicação exclusiva (isto é papo para um outro texto).

Se a pesquisa da Dra. Suzana não recebeu fundos suficientes para ser realizada, o que será de nós, jovens pesquisadores que trabalhamos com temas não tão quentes, não tão importantes para a comunidade em geral? Como sustentar um laboratório realizando pesquisas [com 6-8 estudantes] com apenas 30 mil reais durante três anos? (isso quem recebeu integralmente o universal, pois muitos pesquisadores nem isso receberam...)

Isto me remete a uma palestra do Dr. Paulo Lana (provavelmente um primo distante) no último Congresso Brasileiro de Biologia Marinha (CBBM) em Porto de Galinha (PE). Nesta apresentação, o Dr. Paulo falou repetidas vezes que nossa ciência arriscava pouco e seria considerada incremental. Disse que não despontávamos internacionalmente, pois tínhamos medo de nos arriscar. Ele nos comparou, diversas vezes, com instituições estrangeiras e apontou que devíamos nos esforçar para alcançarmos o mesmo patamar dos nossos pares das principais nações do planeta.

Mas, como? Enquanto lutamos com os órgãos de fomentos por míseros 30 mil reais, colegas do exterior recebem muitos mil dólares que os permitem sequenciar vários indivíduos, tem acesso a plataformas de microscopia com técnicos especializados que os ajudam a elaborar as mais fantásticas imagens, acesso rápido e mais em conta a diversos reagentes e equipamentos, além de - principalmente - pouca ou nenhuma burocracia para realizar a ciência. Enquanto isso, escrevemos projetos para editais fictícios, no qual o "ganhou mas não levou" é uma constante, sonhando em realizar um trabalho um pouco mais sofisticado e que nos permitiria figurar entre os grandes no círculo científico no qual estamos inseridos. É claro que tal comparação traz grandes frustrações para nós pesquisadores brasileiros. Como realizar um trabalho de ponta se nossos recursos são escassos? Como publicar trabalhos de ponta, como aqueles de evo-devo, biologia do desenvolvimento ou filogenias moleculares?

Por outro lado, seria leviano dizer que somente com dinheiro se faz pesquisa boa. E eis aqui o que será minha estratégia daqui pra frente (enquanto passamos por este período nebuloso da economia e política nacional). Estou pensando seriamente em deixar de lado toda a parte mais cara da minha pesquisa (que no caso seriam investigações moleculares, como o sequenciamento do transcriptoma das espécies e técnicas de visualização da expressão gênica) e investir em responder as inúmeras perguntas "mais simples" que estão soltas por ai. Há tantas perguntas legais e importantes para serem investigadas. Por que pular etapas para ficar no spotlight da ciência, se podemos construir uma base mais firme com uma ciência mais básica?

Graphical abstract de um artigo que submeti a pouco tempo sobre a história de vida de Sycettusa hastifera, desenvolvido durante o meu doutorado.

Compreender aspectos da história de vida das esponjas é peça fundamental para podermos entender como as populações destes animais se adaptaram ao ambiente, bem como poderiam responder às possíveis alterações ambientais que a espécie humana tem implementado no planeta. Estudar a história de vida destes animais é relativamente barato. Relacionar tamanho, hábitos de vida, taxas de crescimento, fecundidade e outros aspectos reprodutivos destes animais pode ser feito com poucas centenas de reais. Essa pesquisa, diferentemente do que o Dr. Paulo Lana comentou em maio do ano passado no CBBM, não seria apenas "incremental", uma vez que há muito o que se saber sobre este assunto, já que os pesquisadores dos grandes centros pularam esta etapa por ela não ser tão sexy.

Mais importante do que tentar se adequar a uma realidade internacional, talvez seja assumirmos nossas deficiências financeiras e administrativas e tocarmos pesquisas mais humildes, porém relevantes. Junto a isto, torcermos para que voltemos a ter um maior aporte financeiro e político, permitindo que nossos órgãos financiadores possam voltar a ter forças para sustentar uma diversa gama de pesquisas.

Boa sorte, Dra. Suzana. Que você consiga alcançar suas metas nos EUA. Enquanto ficarmos por aqui, iremos tirar leite de pedra e continuar fazendo uma ciência de qualidade.


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