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Quem tem um bom vizinho, dorme sossegado

Se você pudesse, mudaria para uma vizinhança com uma melhor vista, melhor transporte público ou que tivesse um comércio melhor?

Se você pudesse escolher, subiria mais alguns andares no prédio ou desceria alguns a mais?

Se você pudesse, você mudaria de casa hoje por causa dos seus vizinhos?

Segundo dados do IBGE, em 2012, pouco mais de 50% das moradias brasileiras apresentavam condições adequadas, sendo que o restante apresentava carência de saneamento básico, recolhimento de lixo e até mesmo abastecimento de água [1]. Sem contar, o que não foi pesquisado, como a presença daqueles vizinhos que ou são muito barulhentos, ou bagunceiros, ou fofoqueiros... etc... motivos não faltam para que muitos de nós queira se mudar. E embora financeiramente nem sempre seja viável, a verdade é que essa possibilidade é real para todos nós. Mas e se, por acaso, você não pudesse nem se deslocar? Ou melhor, você tivesse apenas um único momento da sua vida que você poderia se deslocar e escolher onde você passaria todos os seus próximos anos? Isso é o que acontece com animais sésseis, como as nossas queridas esponjas.

Esponjas tem uma fase do ciclo de vida em que elas são larvas microscópicas que nadam ao sabor das correntes marinhas, escolhem o substrato onde vão morar e, se possível, crescer, prosperar e produzir novas larvas no futuro. Portanto, é nesta curta fase do ciclo de vida (cerca de 3h - 3 dias) que as esponjas devem escolher sua vizinhança. Portanto, é importante ser muito seletivo neste momento.

Em um trabalho realizado pela equipe do LEBR, nós investigamos quais eram as preferências de vizinhança de cinco espécies-alvo de esponjas na costa da Baía de Todos os Santos, na cidade de Salvador. Essas espécies tem sido nossas "cobaias", pois estamos tentando entender diversos aspectos da biologia delas, e elas foram selecionadas por apresentarem grande potencial para a extração de moléculas utilizáveis em remédios ou cosméticos.

No trabalho liderado por Franciele (Fran) Oliveira (que foi um dos capítulos da dissertação de mestrado dela no PPGDA), nós observamos que cada espécie, como esperado, tinha preferências próprias para a vizinhança. Enquanto umas preferem superfícies horizontais, outras preferem superfícies inclinadas e algumas superfícies verticais. A escolha da inclinação do substrato é muito importante, pois isso influenciará na quantidade de luz que incide no organismo, assim como influencia nos vizinhos. Por exemplo, superfícies horizontais, que tem muita incidência de luz, acaba beneficiando algas. Estes vegetais são importantes competidores do bentos (comunidade de organismos que vive associado ao fundo do mar) e acabam crescendo sobre qualquer outro organismo ali presente. Para ganhar das algas na competição, é preciso ser um bom guerreiro. Para isso, as espécies que preferem este substrato acabam produzindo um monte de moléculas citotóxicas para afugentar esses vizinhos inconvenientes. Trocando em miúdos, escolher o tipo de inclinação vai ser como escolher se você mora num apartamento poente ou nascente. Se você quiser um nascente, vai ter que brigar com seu vizinho que ouve música alta, ouvindo música mais alta ainda do que ele.

Outro aspecto investigado foi a composição do substrato. Nós investigamos se as esponjas preferiam rocha nua ou rocha recoberta por cascalho (pequenas pedrinhas que ficam soltas no fundo do mar). Porém, não observamos nenhuma "escolha" por este tipo de característica do substrato.

Finalmente, procuramos entender como era o relacionamento das espécies-alvo do estudo com as espécies vizinhas que coabitam o bentos soteropolitano. Novamente, cada espécie estudada teve relações específicas com as espécies vizinhas. Por exemplo, D. janiae não apresentou nenhuma relação significativa, seja ela positiva ou negativa, com qualquer uma das espécie detectadas em nosso estudo. Por outro lado, Cladocroce caelum foi a espécie mais seletiva, dependendo de pelo menos outras 5 espécies para poder crescer nessa área.

Figura mostrando a co-ocorrência das espécies investigadas neste estudo (em vermelho) com outras espécies encontradas no bentos na costa soteropolitana. Repare que a maior parte das relações é aleatória (cinza), mas é possível observar relações positivas (significando que quando uma espécie está presente, a outra também estará) e outras são negativas (quando uma está a outra prefere não estar).

Finalmente, um achado bem interessante que foi observado no estudo é que parte dessas espécies dependem não só do substrato, nem dos vizinhos, mas sim de uma comunidade diversa e rica. Logo, a diminuição da biodiversidade desses ambientes pode afetar (mesmo que o efeito não seja direto na espécie) na presença e na quantidade de esponjas. Portanto, se quisermos que a costa soteropolitana permaneça com essa grande diversidade marinha que encontramos aqui, é fundamental que cuidemos das nossas praias e arredores.

Depois de um longo período de de espera, este trabalho foi finalmente publicado no segundo semestre de 2018. Caso queira saber mais, nos envie uma mensagem que podemos compartilhar com vocês o artigo científico original.

OLIVEIRA FS; LANNA E. Mind your neighborhood: biotic and abiotic factors shaping the small-scale spatial distribution of sponges in tropical urban beaches. Marine Ecology-An Evolutionary Perspective, v. 39(4), e1254, 2018.

[1] http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/10/apenas-525-das-moradias-do-brasil-tem-condicoes-adequadas-diz-ibge.html


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